Golpe de 1964 só deu certo porque militares tiveram apoio da sociedade civil
Historiadores afirmam que Jango sofria uma campanha massiva de desestabilização anos antes do golpe com apoio de empresários, imprensa, setores da Igreja e o governo dos EUA
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O grupo, financiado por 95 empresas e 125 doadores físicos, promovia massiva propaganda contra o governo por meio de cursos, palestras, propaganda em revistas e superproduções televisivas contrárias ao governo. “Não tinha a expressão ‘Fora Jango’, mas tinha um discurso de insatisfação fortíssimo contra seu governo”, explica Denise Assis, jornalista e pesquisadora da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro. Cinco empresas contribuíram com 70% da receita do instituto: Listas Telefônicas Brasileiras, Light, Cruzeiro do Sul, Refinaria e Exploração de Petróleo União e Icomi.
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O Ipês, que foi comandado pelo general Golbery do Couto e Silva, na época oficial de segundo escalão do exército, existiu até 1972 quando, já esvaziado de doações, fechou suas portas. Sua principal herança foram as cerca de 3 mil fichas que seus mais de 400 pesquisadores fizeram sobre as principais lideranças suspeitas da esquerda brasileira. Golbery levou esse material para o Serviço Nacional de Inteligência (SNI), criado logo após o golpe.
Denise diz que o Ipês era um “eufemismo para o grupo conspiratório que se formou para tramar a derrubada de Jango”. Em seu estudo, ela aponta que em apenas uma ação, a vinculação de 15 filmes para criar a insegurança na população, entre 1962 a 1964, foram pagos 450 mil cruzeiros semanalmente a 13 canais de TV. “Os jornais e televisões receberam muito dinheiro, mas depois a própria mídia cedeu espaço. Todos os veículos de comunicação apoiaram o golpe, com exceção do ‘A Última Hora’, que foi fechado porque era o único veículo que apoiava o Jango”, explica.
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Segundo uma pesquisa Ibope recentemente revelada pelo historiador Luiz Antonio Dias, pouco antes do golpe, Jango tinha apoio de 72% da população. Sua proposta de reforma agrária era aprovada por 70% em algumas capitais. Mesmo assim, o golpe foi vitorioso. “Quem derrubou Jango não foi o povo, foi a elite burguesa”, defende Denise. “Empresários e grandes industriais estavam unidos em torno do projeto de um Brasil mais avançado. Eles defendiam a livre iniciativa e o capital, antes do golpe e durante a ditadura.”
A advogada Rosa Cardoso, membro da Comissão Nacional da Verdade e coordenadora do Grupo de Trabalhadores, atribui o sucesso do golpe ao bombardeio de propaganda contra Goulart, associando-o ao comunismo. “Utilizando uma propaganda massiva, eles conseguiram cooptar elementos, conseguiram recrutar militantes entre as mulheres, entre as igrejas católica e protestante”, diz.
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Para o historiador Carlos Fico, o apoio dos veículos de comunicação foi “absolutamente determinante”. “Diariamente o Goulart era atacado, criticavam e fragilizavam o seu governo, e a partir do início de 1964, sugeriam o afastamento do presidente”, diz. E isso começou a aparecer em manifestações contrárias a Jango, como a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, apesar dos seus altos índices de aprovação.
Em seu recém-lançado livro “O golpe de 1964, momentos decisivos”, Fico relata a conspiração que culminou no golpe a partir da campanha de desestabilização de Jango dos anos anteriores. Nela, houve participação decisiva também do governo dos Estados Unidos. “A campanha de desestabilização estendeu-se até as vésperas do golpe de 1964. No dia 20 de março, o United States Information Service (Usis) terminou um relatório planejando gastos de mais de US$ 500 mil com atividades de propaganda em rádio, imprensa escrita e unidades móveis de exibição de filmes, entre outras. Contabilizando-se também os gastos com publicações de livros, ensino de inglês e programas de intercâmbio, chega-se ao valor de US$ 2 milhões", escreve.
Fico também aponta o apoio do Congresso como outro apoiador decisivo para os militares. Na época presidido por Ranieri Mazzili, ele declarou a vacância da Presidência com a movimentação militar. “Vários civis deram efetivamente o golpe”, diz.
Entidades como a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) também contribuíram financeira e logisticamente para a concretização do golpe. À Comissão Municipal da Verdade de São Paulo, o coronel do Exército reformado Erimá Pinheiro Moreira denunciou o suborno do então comandante do 2º Exército, general Amaury Kruel pela Fiesp. Segundo Moreira, que estaria presente durante o suborno, o então presidente da entidade, Raphael de Souza Noschese, teria pago U$ 1,2 milhão (R$ 2,4 milhões, em valores atualizados) para que Kruel, ex-ministro da Guerra de Jango, levasse o 2º Exército à adesão ao golpe. Nos anos anteriores ao golpe, as tropas lideradas por Kruel foram reaparelhadas por industriais para o caso de um possível combate com o 3º exército, articulado com o governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, um dos líderes da resistência pró-Goulart.
Henning Boilesen
Enquanto partes da Igreja e da imprensa que apoiaram o golpe começaram a criticar o caráter ditatorial do novo regime, os empresários que financiaram a caída de Jango se sentiam à vontade com a modernização capitalista em curso no País. Se o banqueiro Magalhães Pinto foi o líder civil do golpe, o empresário dinamarquês Henning Boilesen é o grande destaque entre os civis que patrocinaram a ditadura. Naturalizado brasileiro, Boilesen dividia com os militares o amor ao nacionalismo e o ódio aos comunistas.
Ele colaborou pessoalmente para o sucesso na caça aos subversivos. Presidente do grupo Ultra, Boilesen ajudou a financiar, junto com outros empresários e industriais paulistas, uma das mais cruéis ofensivas da repressão militar, a Operação Bandeirantes (Oban). Inicialmente clandestina, a operação militar financiada por civis funcionava na rua Tutóia, na zona sul de São Paulo, e deu origem ao DOI-CODI. Era lá que Boilesen ia acompanhar de perto as sessões de torturas dos presos políticos, sendo reconhecido por diversos torturados. O nome do empresário ficou eternizado no aparelho qie importou para garantir a eficácia dos interrogatórios: a pianola de Boilesen, que dava choque elétricos em quem apertasse seus botões.
Os caminhões da Ultragás eram usados nas emboscadas preparadas pela Oban, e em troca, a empresa operava com um “capital de giro negativo”, como relata o filho de Boilesen no documentário “Cidadão Boilesen”, dirigido por Chaim Litewski, recebendo gás da Petrobrás para pagar no mês seguinte. O empenho de Boilesen em manter o avanço do capitalismo no Brasil e sua proximidade aos militares rendeu-lhe um assassinato violento por membros da Aliança Nacional Libertadora (ANL) e do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), que o mataram a tiros em São Paulo, em 1971.
Além do Grupo Ultra, diversas outras empresas, indústrias e construtoras ajudaram a manter o regime militar no poder. “Os empresários participaram sempre, participaram em todos os Estados. Havia uma identificação política significativa com os militares, eles achavam que os interesses econômicos deles eram melhores representados pela ditadura”, diz Rosa Cardoso.
O jornalista Jorge José de Melo, estudioso da vida de Boilesen, escreve em artigo para a Comissão da Verdade que a forma de contribuição dos empresários à repressão militar ainda é obscura. “Existem muitas lacunas e dúvidas sobre as condições em que ocorreu essa colaboração e que certamente demandarão outras pesquisas, já que se trata de tema ainda protegido, inclusive, pela ocultação de arquivos oficiais, públicos e privados”, escreve. Melo ressalta que muitos dos conspiradores civis da derrubada de Jango colaboraram com o regime em formas que iam além do financiamento, como na participação em organizações anticomunistas violentas, por exemplo, integrando o Comando de Caça aos Comunistas, o CCC.
O deputado Adriano Diogo, coordenador da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, diz que é preciso pensar na punição das empresas que lucraram com o golpe ao patrocinar ações de repressão violentas, em “uma analogia com a punição aos crimes militares”. “Cada ditador trazia um grupo de empresas para o Brasil. O golpe militar foi um grande negócio, ganhou-se muito dinheiro. Os empresários e as empresas também devem ser punidas”, defende.
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