segunda-feira, 31 de março de 2014

Dilma: golpe não pode ser esquecido em memória às vítimas do regime militar

Com a luta pela redemocratização, segundo Dilma, os brasileiros aprenderam a valorizar a liberdade de expressão


Presidenta Dilma Rousseff na época da ditadura
1 / 1
Presidenta Dilma Rousseff na época da ditadura
Presidenta Dilma Rousseff na época da ditadura
A presidenta Dilma Rousseff lembrou hoje (31) os 50 anos do golpe militar que deu início à ditadura no Brasil, em 1964, e disse que as atrocidades cometidas no período não podem ser esquecidas, em memória dos homens e mulheres que foram mortos ou desapareceram enquanto lutavam pela democracia.
“O dia de hoje exige que lembremos e contemos o que aconteceu. Devemos aos que morreram e desaparecerem, devemos aos torturados e aos perseguidos, devemos às suas famílias. Devemos a todos os brasileiros”, disse a presidenta em discurso no Palácio do Planalto, durante a assinatura de contrato para construção da segunda ponte sobre o Rio Guaíba.
“Toda dor humana pode ser suportada se sobre ela puder ser contada uma história. A dor que nós sofremos, as cicatrizes visíveis e invisíveis que ficaram nesses anos podem ser suportadas e superadas porque hoje temos uma democracia sólida e podemos contar nossa história”, disse a presidenta, ao citar a filósofa alemã Hannah Arendt.
Dilma disse que lembrar e contar o que aconteceu às novas gerações é parte do processo iniciado pelos brasileiros que lutaram pelas liberdades democráticas, pela Anistia, pela Constituinte, por eleições diretas e, mais recentemente, pela criação da Comissão Nacional da Verdade.
“Cinquenta anos atrás, na noite de hoje, o Brasil deixou de ser país de instituições ativas, independentes e democráticas. Por 21 anos, mais de duas décadas, nossas instituições, nossa liberdade, nossos sonhos, foram calados”, lembrou. “Hoje podemos olhar para esse período e aprender com ele, porque o ultrapassamos. O esforço de cada um de nós, de todas as lideranças do passado, daqueles que viveram e daqueles que morreram fizeram com que nós ultrapassássemos essa época”, acrescentou.
Com a luta pela redemocratização, segundo Dilma, os brasileiros aprenderam a valorizar a liberdade de expressão, a independência dos poderes legislativo e judiciário e o direito ao voto. “Aprendemos o valor de eleger por voto direto e secreto, de todos os brasileiros, governadores, prefeitos. De eleger, por exemplo, um ex-exilado, um líder sindical que foi preso várias vezes e uma mulher que também foi prisioneira”, disse.
Segundo Dilma, a restauração da democracia brasileira foi um processo construído pelos governos eleitos após a ditadura e resultado da luta dos que morreram enquanto enfrentavam “a truculência ilegal” do Estado, com os que trabalharam por pactos e acordos nacionais, como os que levaram à Constituição de 1988.
Ainda durante o discurso, a presidenta citou frase dita por ela durante a instalação da Comissão Nacional da Verdade, em 2012. “Como eu disse aqui nesse palácio quando instalamos a Comissão da Verdade: se existem filhos sem pais, se existem pais sem túmulos, se existem túmulos sem corpos, nunca, nunca, mas nunca mesmo pode existir uma história sem voz. E quem dá voz são os homens e mulheres livres que não tem medo de escrevê-la”.
Fonte: Agência Brasil

domingo, 30 de março de 2014

Golpe de 1964 só deu certo porque militares tiveram apoio da sociedade civil

Por Natália Peixoto - iG São Paulo |

Historiadores afirmam que Jango sofria uma campanha massiva de desestabilização anos antes do golpe com apoio de empresários, imprensa, setores da Igreja e o governo dos EUA

Apesar da predominância dos militares no comando da ação que depôs o presidente João Goulart, o golpe de 1964 só foi possível graças à participação da sociedade civil: donos de veículos de comunicação, empresários, setores conservadores da Igreja, o governo dos Estados Unidos, entre outros. Historiadores afirmam ainda que Jango, embora tivesse altos índices de aprovação como presidente, sofria, desde que assumiu o comando do País, uma campanha massiva de desestabilização em rádios, TVs e mídia impressa. A Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que levou cerca de 200 mil às ruas de São Paulo contra Jango, mostrava que a estratégia de “ameaça comunista” estava dando certo.
Infográfico: os 10 fatos no Brasil e no mundo antes e depois de 1964
Violência policial é herança da ditadura: ‘Pau-de-arara está onde sempre esteve'
50 anos do golpe: os 10 fatos no Brasil e no mundo antes e depois de 1964
'Ar democrático': Brasil foi o único país da América Latina a mascarar golpe  
Um dos principais articuladores da parte civil do golpe foi o banqueiro e então governador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, junto ao general Castello Branco, então comandante supremo do Exército Nacional. Dez dias antes da queda de Jango, Castello Branco fez um levantamento entre os quartéis em busca de adesões a uma possível ação de resistência contra Jango. Uma semana depois, no dia 28 de março, o governador Magalhães Pinto deu início ao plano, liberando as tropas do general Mourão Filho para marcharem de Juiz de Fora até o Rio de Janeiro, em um movimento que consolidaria o início da ditadura.
Arquivo Brasil Nunca Mais
Para o historiador Carlos Fico, o apoio dos veículos de comunicação foi “absolutamente determinante” para a queda de Jango


Antes da tomada militar do poder, entretanto, grupos organizados de empresários, industriais, representantes da Igreja e donos de veículos de comunicação se articulavam desde 1961 em uma campanha intensiva de desestabilização de Jango, com receio de que o governante populista, conhecido pelo aumento de 100% do salário mínimo enquanto ministro do Trabalho de Getúlio Vargas, criasse uma república sindicalista. Contra essa ameaça, empresários fincaram no Rio e em São Paulo as sedes do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais, o Ipês.
O grupo, financiado por 95 empresas e 125 doadores físicos, promovia massiva propaganda contra o governo por meio de cursos, palestras, propaganda em revistas e superproduções televisivas contrárias ao governo. “Não tinha a expressão ‘Fora Jango’, mas tinha um discurso de insatisfação fortíssimo contra seu governo”, explica Denise Assis, jornalista e pesquisadora da Comissão da Verdade do Rio de Janeiro. Cinco empresas contribuíram com 70% da receita do instituto: Listas Telefônicas Brasileiras, Light, Cruzeiro do Sul, Refinaria e Exploração de Petróleo União e Icomi.
Anos de chumbo: Militares mantêm silêncio e ainda chamam golpe de revolução
Golpe de 1964: Fantasmas da ditadura ainda assombram o Brasil após 50 anos
Coronel admite torturas e mortes: 'Cumpri meu dever e não sei quantos matei'
O Ipês, que foi comandado pelo general Golbery do Couto e Silva, na época oficial de segundo escalão do exército, existiu até 1972 quando, já esvaziado de doações, fechou suas portas. Sua principal herança foram as cerca de 3 mil fichas que seus mais de 400 pesquisadores fizeram sobre as principais lideranças suspeitas da esquerda brasileira. Golbery levou esse material para o Serviço Nacional de Inteligência (SNI), criado logo após o golpe.
Denise diz que o Ipês era um “eufemismo para o grupo conspiratório que se formou para tramar a derrubada de Jango”. Em seu estudo, ela aponta que em apenas uma ação, a vinculação de 15 filmes para criar a insegurança na população, entre 1962 a 1964, foram pagos 450 mil cruzeiros semanalmente a 13 canais de TV. “Os jornais e televisões receberam muito dinheiro, mas depois a própria mídia cedeu espaço. Todos os veículos de comunicação apoiaram o golpe, com exceção do ‘A Última Hora’, que foi fechado porque era o único veículo que apoiava o Jango”, explica.
Golpe de 1964: veja imagens de resistência e repressão:



Estudantes protestam contra o golpe militar no centro de São Paulo. Foto: Arquivo Brasil Nunca Mais
1/80



Popularidade de Jango em alta
Segundo uma pesquisa Ibope recentemente revelada pelo historiador Luiz Antonio Dias, pouco antes do golpe, Jango tinha apoio de 72% da população. Sua proposta de reforma agrária era aprovada por 70% em algumas capitais. Mesmo assim, o golpe foi vitorioso. “Quem derrubou Jango não foi o povo, foi a elite burguesa”, defende Denise. “Empresários e grandes industriais estavam unidos em torno do projeto de um Brasil mais avançado. Eles defendiam a livre iniciativa e o capital, antes do golpe e durante a ditadura.”
A advogada Rosa Cardoso, membro da Comissão Nacional da Verdade e coordenadora do Grupo de Trabalhadores, atribui o sucesso do golpe ao bombardeio de propaganda contra Goulart, associando-o ao comunismo. “Utilizando uma propaganda massiva, eles conseguiram cooptar elementos, conseguiram recrutar militantes entre as mulheres, entre as igrejas católica e protestante”, diz.
Entrevista: 'Luta armada foi um erro', diz ex-combatente da ditadura Cid Benjamin
Artigo: As conexões repressivas do Brasil com as ditaduras no Cone Sul
Para o historiador Carlos Fico, o apoio dos veículos de comunicação foi “absolutamente determinante”. “Diariamente o Goulart era atacado, criticavam e fragilizavam o seu governo, e a partir do início de 1964, sugeriam o afastamento do presidente”, diz. E isso começou a aparecer em manifestações contrárias a Jango, como a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, apesar dos seus altos índices de aprovação.
Em seu recém-lançado livro “O golpe de 1964, momentos decisivos”, Fico relata a conspiração que culminou no golpe a partir da campanha de desestabilização de Jango dos anos anteriores. Nela, houve participação decisiva também do governo dos Estados Unidos. “A campanha de desestabilização estendeu-se até as vésperas do golpe de 1964. No dia 20 de março, o United States Information Service (Usis) terminou um relatório planejando gastos de mais de US$ 500 mil com atividades de propaganda em rádio, imprensa escrita e unidades móveis de exibição de filmes, entre outras. Contabilizando-se também os gastos com publicações de livros, ensino de inglês e programas de intercâmbio, chega-se ao valor de US$ 2 milhões", escreve.
Fico também aponta o apoio do Congresso como outro apoiador decisivo para os militares. Na época presidido por Ranieri Mazzili, ele declarou a vacância da Presidência com a movimentação militar. “Vários civis deram efetivamente o golpe”, diz.
Entidades como a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) e a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) também contribuíram financeira e logisticamente para a concretização do golpe. À Comissão Municipal da Verdade de São Paulo, o coronel do Exército reformado Erimá Pinheiro Moreira denunciou o suborno do então comandante do 2º Exército, general Amaury Kruel pela Fiesp. Segundo Moreira, que estaria presente durante o suborno, o então presidente da entidade, Raphael de Souza Noschese, teria pago U$ 1,2 milhão (R$ 2,4 milhões, em valores atualizados) para que Kruel, ex-ministro da Guerra de Jango, levasse o 2º Exército à adesão ao golpe. Nos anos anteriores ao golpe, as tropas lideradas por Kruel foram reaparelhadas por industriais para o caso de um possível combate com o 3º exército, articulado com o governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, um dos líderes da resistência pró-Goulart.
Henning Boilesen
Enquanto partes da Igreja e da imprensa que apoiaram o golpe começaram a criticar o caráter ditatorial do novo regime, os empresários que financiaram a caída de Jango se sentiam à vontade com a modernização capitalista em curso no País. Se o banqueiro Magalhães Pinto foi o líder civil do golpe, o empresário dinamarquês Henning Boilesen é o grande destaque entre os civis que patrocinaram a ditadura. Naturalizado brasileiro, Boilesen dividia com os militares o amor ao nacionalismo e o ódio aos comunistas.
Ele colaborou pessoalmente para o sucesso na caça aos subversivos. Presidente do grupo Ultra, Boilesen ajudou a financiar, junto com outros empresários e industriais paulistas, uma das mais cruéis ofensivas da repressão militar, a Operação Bandeirantes (Oban). Inicialmente clandestina, a operação militar financiada por civis funcionava na rua Tutóia, na zona sul de São Paulo, e deu origem ao DOI-CODI. Era lá que Boilesen ia acompanhar de perto as sessões de torturas dos presos políticos, sendo reconhecido por diversos torturados. O nome do empresário ficou eternizado no aparelho qie importou para garantir a eficácia dos interrogatórios: a pianola de Boilesen, que dava choque elétricos em quem apertasse seus botões.
Os caminhões da Ultragás eram usados nas emboscadas preparadas pela Oban, e em troca, a empresa operava com um “capital de giro negativo”, como relata o filho de Boilesen no documentário “Cidadão Boilesen”, dirigido por Chaim Litewski, recebendo gás da Petrobrás para pagar no mês seguinte. O empenho de Boilesen em manter o avanço do capitalismo no Brasil e sua proximidade aos militares rendeu-lhe um assassinato violento por membros da Aliança Nacional Libertadora (ANL) e do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), que o mataram a tiros em São Paulo, em 1971.
Além do Grupo Ultra, diversas outras empresas, indústrias e construtoras ajudaram a manter o regime militar no poder. “Os empresários participaram sempre, participaram em todos os Estados. Havia uma identificação política significativa com os militares, eles achavam que os interesses econômicos deles eram melhores representados pela ditadura”, diz Rosa Cardoso.
O jornalista Jorge José de Melo, estudioso da vida de Boilesen, escreve em artigo para a Comissão da Verdade que a forma de contribuição dos empresários à repressão militar ainda é obscura. “Existem muitas lacunas e dúvidas sobre as condições em que ocorreu essa colaboração e que certamente demandarão outras pesquisas, já que se trata de tema ainda protegido, inclusive, pela ocultação de arquivos oficiais, públicos e privados”, escreve. Melo ressalta que muitos dos conspiradores civis da derrubada de Jango colaboraram com o regime em formas que iam além do financiamento, como na participação em organizações anticomunistas violentas, por exemplo, integrando o Comando de Caça aos Comunistas, o CCC.
O deputado Adriano Diogo, coordenador da Comissão da Verdade do Estado de São Paulo, diz que é preciso pensar na punição das empresas que lucraram com o golpe ao patrocinar ações de repressão violentas, em “uma analogia com a punição aos crimes militares”. “Cada ditador trazia um grupo de empresas para o Brasil. O golpe militar foi um grande negócio, ganhou-se muito dinheiro. Os empresários e as empresas também devem ser punidas”, defende.
Texto




vídeos recomendados

para você


0
0
0






 
      









social
fechar ×
 
comentários
fechar